12 de maio de 2017

Leite. Vilão ou mocinho?

O cálcio é um mineral importantíssimo para a manutenção da nossa saúde e seu papel na alimentação tem sido estabelecido em todas as etapas da vida, exercendo funções fisiológicas como componente do tecido ósseo, de cofator enzimático e como mensageiro celular.

O que vemos hoje em dia é uma chuva de informações nas redes sociais que podem, ao invés de ajudar, confundir. Afinal o que devemos comer para ter a quantidade adequada de cálcio na alimentação? Qualquer alimento que contenha uma boa quantidade de cálcio, serve na substituição do leite?

Na realidade já sabemos que tanto o teor como a biodisponibilidade do elemento nos alimentos devem ser considerados para obtermos essa resposta.

Hoje em dia o consumo de alimentos ricos em cálcio é inadequado e insuficiente na população em geral. Além disso, temos outro agravante: muitas substâncias presentes em nossa dieta podem também alterar a absorção intestinal do cálcio, agravando ainda mais esse quadro de deficiência. O que notamos é que cada vez mais a população em geral, substitui o consumo de leite por refrigerantes e bebidas industrializadas com açúcar – considerando que isso acontece comumente em sua grande maioria, com pessoas de baixa renda. Diversos estudos vêm demonstrando o impacto negativo dessa troca na saúde da população.

Na alimentação, em geral, as principais fontes de cálcio são de origem animal. Inversamente, os vegetais são considerados inadequados, devido aos interferentes negativos que atuam na absorção luminal, como a presença de ácido fítico, polifenóis e de fibra alimentar, – quelantes naturais de cálcio e outros minerais.

Outro fato importante a ser destacado: a absorção do cálcio sofrerá também influência, dependendo da necessidade de cada organismo por esse mineral. Observamos em diversos trabalhos científicos publicados, que a absorção do cálcio é maior naqueles indivíduos que apresentam maior necessidade, ou seja, aquele em que a dosagem sérica (quantidade encontrada no sangue) de cálcio encontra-se abaixo do normal.

Além destes fatores fisiológicos, a presença de lactose, fosfopeptídeos da caseína, vitamina D, proteína ou de oligossacarídeos na dieta, parece elevar a absorção do mineral, enquanto outros componentes encontrados em vegetais, como fitatos, oxalatos e fibras, parecem interferir negativamente na absorção intestinal do cálcio.

Os iogurtes e queijos são excelentes fontes de cálcio, assim como o leite, e devemos destacar que a presença da lactose nesses alimentos favorece a absorção do mesmo. Até alimentos com teor de gordura reduzidao são recomendados, e é importante notar que há pouca diferença na quantidade de cálcio quando comparados aos integrais; na verdade, os desnatados apresentam quantidade um pouco maior.

E aí vem outra questão comum: indivíduos intolerantes à lactose. Como resolver esta questão?
Pessoas com intolerância à lactose podem apresentar, não só baixa ingestão de cálcio, mas também de outros nutrientes, como vitamina A e D, riboflavina e fósforo. Estudos destacam que esses indivíduos podem consumir leite sem apresentar sintomas, especialmente se forem ingeridos espaçadamente durante o dia e combinados com alimentos que não contenham lactose. Os queijos envelhecidos e duros, como suíço e parmesão, costumam ser mais bem tolerados, bem como o iogurte – principalmente aqueles com culturas ativas, pois ajudam a quebrar as moléculas da lactose. O próprio processo de fermentação do iogurte, chega a reduzir a quantidade de lactose em até 35%, fazendo com que indivíduos intolerantes à lactose do leite, não sejam afetados pela quantidade de lactose contida nos iogurtes. Pouca gente sabe disso e um erro comum é considerar: se sou intolerante à lactose, não posso mais consumir nenhum laticínio. Há que se investigar, antes de mais nada, qual o grau desta intolerância.

Um outro exemplo, sardinhas e outros peixes, quando ingeridos com os ossos, também poderiam representar uma rica fonte desse elemento. As verduras verde-escuras como brócolis e couve são fontes alternativas de cálcio, porém lembramos: a quantidade e biodisponibilidade do cálcio nesses alimentos é muito menor quando comparadas ao leite e seus derivados.

Outro assunto da moda que vem surgindo é o de que o chá de folha de amora seria uma fonte significativa de cálcio. Entretanto, estudos científicos já mostraram que, pelo contrário, o pH deste chá pode causar descalcificação dos dentes. Por essa razão devemos aguardar mais estudos antes de sair dizendo que este “chá milagroso” poderia substituir as fontes já recomendadas de cálcio. Estes estudos ainda são poucos e inconsistentes.

Podemos concluir, após analisar diversos estudos científicos disponíveis na literatura, que alimentos de origem animal apresentam melhor proporção de cálcio absorvível, justamente por não apresentarem substâncias bloqueadoras como no caso dos vegetais.
Embora o ideal seja sempre encorajar os indivíduos a ingerir o cálcio naturalmente, através da dieta diária saudável, a suplementação desse nutriente pode ser necessária em pessoas que restringem ou eliminam o leite e seus derivados de sua alimentação, em indivíduos com doenças que envolvam o metabolismo ósseo, em casos de alergia alimentar ou ainda outras condições específicas.

Por Dra. Giulianna Pansera

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